Nasci doze anos e um mês depois do 25 de Abril, filha, neta e bisneta de quem sempre viu na terra do Alentejo/Ribatejo o seu sustento. Cresci a ouvir palavras como Estado Novo, PIDE, bufo, Reforma Agrária, PREC, FP25 e outros que tal.
Talvez por ter nascido e vivido numa terra sob domínio comunista desde o 25 de Abril, essa data teve sempre muito peso no calendário das festividades. Não tínhamos nenhum feriado de Santo e o feriado municipal só surgiu quando o município se separou e se tornou "independente", no início dos anos 60. O feriado do 25 de Abril era sempre celebrado com fogo de artifício, ranchos folclóricos, um ou outro cantor pimba e umas paradas ridículas de máquinas de construção e alfaias agrícolas. o 25 de Abril tinha mais peso na minha terra do que qualquer outro feriado.
Suponho que tenha sido a conjugação destes dois factores, o nascimento numa família que sempre me contou histórias do tempo do Salazar e da Revolução e a importância que sempre se deu ao 25 de Abril na minha terra , que me determinou o fascínio e admiração que tenho por esta data.
Numa uma altura em que o pão era escasso para muitos, as nossas finanças eram controladas não gastando dinheiro com o povo, em que filho de trabalhador rural, trabalhador rural seria e dificilmente poderia aspirar a mais, houve quem se tenha revoltado por causa de uma Guerra Colonial estúpida e devoradora de jovens, sustentada por um regime decadente e cada vez mais isolado internacionalmente. Só consigo imaginar a alegria de quem todos os dias sobrevivia ao regime e teve a sorte de presenciar esse dia: a liberdade, a dissipação do medo, poder respirar fundo e acreditar num futuro melhor para si e para os que se seguiram.
Sei a história do dia 25 de Abril quase de cor. As senhas, quem participou onde, quem estava estacionado onde. Sei onde estavam os meus pais e os meus avós. O 25 de Abril não é uma coisa longínqua, está-me gravado na memória como se o tivesse presenciado. "Grândola, Vila Morena" arrepia-me e dá-me um nó na garganta e deixa-me sempre a pensar que ainda bem que houve gente com coragem para desagrilhoar a mente do povo.
Sempre que oiço ou leio a barbaridade "isto no tempo do Salazar é que andava tudo às direitas" até me arrepio e não consigo compreender como é que alguém é capaz de acreditar em tal ideia e desejar isso - um tempo em que pouquíssimas pessoas tinham aspirações, em que a igualdade de géneros era algo ainda mais inatingível do que é hoje (esposas averbadas a passaportes de maridos, então... brrr), em que a igualdade de oportunidades entre ricos e pobres era um fosso ainda mais difícil de transpor, em que não poderia haver livre circulação de informação, em que as pessoas viviam toda a vida a meia-luz, sem ter noção do que se passava lá fora, ente muitas outras coisas que aconteciam no "tempo do Salazar".
Não digo que estejamos numa situação ideal - até porque não estamos, de todo - vivemos uma ditadura económica, e se antes as pessoas tinham medo da PIDE agora têm medo dos mercados, das taxas de juro, da dívida e sei lá eu de mais o quê. Os jovens não têm emprego, a classe média está a desaparecer, o SNS colapsa, o sistema educativo colapsa, temos um país de pantanas e apertar o cinto porque somos governados por uma classe política que só sabe meter dinheiro ao bolso para seu próprio benefício.
Mas hoje posso ligar um computador, escrever um post ou partilhar algo no Facebook que mostre o meu descontentamento sem ter que me preocupar se amanhã me vem alguém bater à porta a acusar-me de ser comunista, dissidente e revolucionária. Hoje posso ter a minha opinião e partilhá-la. Hoje posso aspirar a ser o que eu quiser, sem grilhões e sem medos. Como ouvi alguém dizer na televisão (
Jorge Serafim, alentejano como eu, no 5 para a meia noite): " Os defeitos da democracia nunca serão as virtudes da ditadura".
O 25 de Abril foi em 1974, o 25 de Abril foi ontem, é hoje e será amanhã. O 25 de Abril é sempre.
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